Neste dia 21 de setembro comemoramos o Dia da Árvore, uma oportunidade para refletirmos sobre as atitudes da humanidade em relação a essa importante riqueza natural
Mais que o ato simbólico de plantar árvores, 21 de setembro deve ser visto como um dia de reflexão sobre as atitudes da humanidade em relação a essa importante riqueza natural. A árvore tem seu dia lembrado desde 1872, quando um jornalista americano passou a incentivar o plantio. A nível global, o Dia da Árvore foi instituído pela ONU, em 1971, levando a sociedade mundial a uma reflexão a respeito da importância da árvore e, por consequência, das florestas. Nesta reportagem, especialistas de diversas áreas debatem o tema sobre vários aspectos.
Na avaliação de Oromar João Bertol, engenheiro agrônomo, doutor em Engenharia Florestal, diretor do Núcleo Estadual Paraná da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (NEPAR-SBCS), desde as primeiras eras, a humanidade reconhece a importância da árvore e das florestas para sua sobrevivência, em função de seus inúmeros benefícios. No início, era vista como fonte de alimentos, abrigo para o ser humano e animais, porém, hoje se sabe que a floresta é fonte de inúmeros benefícios, dentre eles: produção de oxigênio, fonte de biodiversidade; proteção do solo contra a erosão; contribuição para a disponibilidade da água em quantidade e qualidade; além de fonte de renda quando manejada sob conceito de sustentabilidade.
Bertol observa também que a percepção por parte da sociedade da importância da árvore tem crescido diante da sua capacidade de mitigar os efeitos nocivos das mudanças climáticas, decorrentes – em parte – da crescente supressão das florestas, conforme a ciência tem demonstrado.
A preocupação, segundo ele, é que esses efeitos têm se mostrado cada vez mais catastróficos, como estiagens prolongadas com impacto sobre a produção de alimentos e segurança alimentar; interferência sobre a disponibilidade hídrica dos rios, nascentes, represas, impactando principalmente a geração de energia e a disponibilidade de água para as populações; elevação da temperatura média, ocasionando o degelo de geleiras, com consequente elevação do nível dos oceanos, com ameaça às populações ribeirinhas.
“Todos esses efeitos encontram na árvore os meios para mitigá-los, conforme a ciência também tem demonstrado”, reforça o diretor do NEPAR.
SOLO E BIODIVERSIDADE
A professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Taciara Zborowski Horst, engenheira florestal e doutora em Ciência do Solo, lembra que as árvores desempenham funções essenciais no ecossistema, como a promoção da biodiversidade, servindo de abrigo e alimento para uma vasta gama de espécies, incluindo aves, insetos e pequenos mamíferos.
Segundo a professora, as árvores também contribuem para a qualidade do solo, particularmente relacionada ao seu sistema radicular que normalmente tem capacidade de explorar grande volume de solo. Ela cita que pesquisas recentes indicam que as árvores se comunicam através de seu sistema radicular e podem, inclusive, redistribuir recursos, como água e nutrientes, umas às outras.
O docente da Universidade Federal do Paraná, Renato Marques, engenheiro florestal, com mestrado em Ciência do Solo e doutorado em Ecologia Florestal na França, enaltece a importância das florestas e destaca que as árvores influenciam em diversos processos para a proteção e melhoria do solo. Elas contribuem para a captura de nutrientes que podem estar em suspensão na atmosfera, como partículas gasosas, orgânicas e minerais.
“As árvores conseguem segurar, reter, parte dessas partículas que estão em suspensão. Quando vem a água da chuva, ajuda a levar esses nutrientes para dentro do solo novamente. Esse é um processo que a gente chama de deposição atmosférica com o auxílio das árvores”, explica o professor.
Outro efeito, segundo Marques, é a própria árvore contribuindo para esse retorno dos nutrientes ao solo pela deposição de suas folhas, flores e frutos, que são ricos em nutrientes e que chegando no solo vão formar a chamada serrapilheira.
“Esse é um processo que a gente chama de ciclagem de nutrientes, aumentando assim a fertilidade do solo. É um serviço ecossistêmico que está associado às arvores”, destaca.
ABSORÇÃO DE CO₂
Taciara Horst explica que florestas e árvores são reguladores climáticos essenciais, pois absorvem dióxido de carbono (CO₂), um dos principais gases de efeito estufa, e liberam oxigênio (O₂) na atmosfera. Esse processo reduz a concentração de CO₂, ajudando a estabilizar a temperatura global. Além disso, através da evapotranspiração, as árvores regulam a umidade do ar, refrescando o ambiente e influenciando os padrões de precipitação.
Não se pode esquecer, segundo a professora, que a presença de florestas também contribui para a formação de chuvas, especialmente em áreas tropicais, e ajuda a moderar os extremos climáticos, como ondas de calor e secas. “Sem florestas, esses processos naturais são comprometidos, o que agrava as mudanças climáticas e intensifica eventos climáticos extremos, impactando diretamente a vida no planeta”, destaca.
Renato Marques reforça a importância das árvores no sequestro de carbono. “Elas retiram o CO₂ da atmosfera e realizam o processo da fotossíntese. Todas as plantas fotossintetizantes fazem isso, mas as árvores, por terem grande porte, e muitas delas, taxas de crescimento bastante rápido, são mais eficientes na incorporação desse carbono em sua biomassa. Consequentemente, isso reduz a concentração do CO₂ na atmosfera”, afirma.
Ainda segundo o professor, a matéria orgânica que volta para o solo, na forma de folhas e outros resíduos vegetais que caem das árvores, também contribui para enriquecer o solo em carbono.
RECURSOS HÍDRICOS
As árvores contribuem significativamente para a proteção dos recursos hídricos atuando como filtros naturais. “Elas facilitam a infiltração da água da chuva no solo, reduzindo o escoamento superficial que pode causar erosão. Suas raízes estabilizam as margens dos rios e corpos d’água, diminuindo a sedimentação e evitando que solos e poluentes cheguem aos cursos d’água”, argumenta Taciara Horst.
QUEIMADAS
Em relação às queimadas que estão ocorrendo Brasil afora neste final de inverno, Renato Marques alerta para o risco da perda da biodiversidade. “Se o fogo vai para dentro de uma área florestal nativa, destrói um patrimônio vegetal que estava preservado e que muitas vezes não é possível se recuperar. Pensando em termos de solo, dependendo da intensidade do fogo, ocorre, inclusive, a morte de vários organismos que vivem ali, destruindo uma biota do solo que tem papéis muito importantes, seja na agricultura ou no setor florestal”, diz.
Segundo o especialista, existe uma grande dificuldade para recuperação dessas áreas queimadas. “Vimos há alguns anos um grande incêndio no Pantanal, que demorou anos para se recuperar. Agora vem o fogo novamente esse ano. Quanto mais frequente é o fogo, mais difícil é a recuperação. Às vezes é uma recuperação com auxílio do homem, no sentido de promover algumas melhorias no solo, entrando com plantas, às vezes com fertilizante, com matéria orgânica. Então existem diferentes possibilidades”, contextualiza.
EVAPOTRANSPIRAÇÃO
Quando há floresta, há sempre um microclima menos seco e mais equilibrado, destaca Renato Marques. Ele observa que quanto maior for a área de floresta, mais efeitos em nível regional podem ser sentidos.
“Podemos observar que na região da Amazônia no Brasil, diferente de outras partes do mundo, não temos desertos. Isso ocorre por causa da floresta amazônica. A floresta cria um microclima por meio da evapotranspiração, liberando umidade no ar e mantendo o ciclo de chuvas”, esclarece.
Apenas 26% do Paraná ainda está coberto por florestas
No Paraná, a redução das florestas nativas para dar lugar a lavouras e pastagens vem impactando o meio ambiente nos últimos anos. “Com a redução dessas áreas, o Paraná enfrenta desafios relacionados à conservação ambiental e à sustentabilidade dos recursos naturais, especialmente de recursos hídricos, essenciais para a agricultura e a vida humana”, contextualiza a professora da UTFPR, Taciara Horst,.
Ela lembra que o Estado pertence ao bioma Mata Atlântica, originalmente coberto por florestas exuberantes que sustentavam uma rica biodiversidade. Segundo dados recentes do MapBiomas, apenas 26% do Estado ainda está coberto por florestas – e grande parte delas está muito fragmentada.
Nos últimos anos, porém, segundo Taciara Horst, quase 1 milhão de hectares de florestas foram recuperados e a área de silvicultura (florestas plantadas) aumentou em pelo menos quatro vezes, passando de 0,3 Mha em 1985 para 1,1 Mha em 2023.
A professora cita os benefícios econômicos e ambientais da expansão da silvicultura no Paraná. “Quando manejada de forma sustentável, a silvicultura pode recuperar áreas degradadas, melhorar a qualidade do solo, aumentar a retenção de carbono e gerar empregos. Ela contribui para a economia local através da produção de madeira, celulose e outros produtos florestais, promovendo um uso mais equilibrado dos recursos naturais”, esclarece.
Segundo Taciara Horst, o plantio de árvores para fins comerciais, como em sistemas agroflorestais, promove a recuperação do solo ao aumentar a matéria orgânica, melhorar a estrutura do solo e reduzir a erosão. Esses plantios também ajudam na recuperação de áreas degradadas, favorecendo a biodiversidade e criando um ambiente mais resiliente.
O professor Renato Marques, da Universidade Federal do Paraná, chama atenção para a interferência na biodiversidade com a redução das florestas. “Quando a floresta é substituída por lavouras de soja ou pastagens de capim, a biodiversidade sofre uma grande alteração. Além disso, a dinâmica da matéria orgânica do solo também pode ser impactada. A conversão do sistema florestal para culturas como soja, milho ou pasto pode levar à degradação da matéria orgânica pré-existente, já que o equilíbrio natural entre o solo e a floresta é rompido com a introdução de um novo sistema de manejo. E o fato de se quebrar esse equilíbrio tem mais incidência de radiação no solo, então isso favorece a degradação da matéria orgânica”, avalia.
No entanto, Marques pondera que não se deve “demonizar” a agricultura, desde que ela seja “bem-feita”. “O Estado do Paraná foi pioneiro no crescimento de semeadura direta na palha ou plantio direto. Isso também promove uma melhoria na qualidade do solo. É diferente de uma agricultura onde você revolve o solo todo ano, o que contribui para a degradação desse solo”, diz.
Iniciativas de sustentabilidade combatem o desmatamento
O desmatamento de florestas nativas decorrente do processo de mudança de uso do solo contribui para a emissão líquida de gases de efeito estufa e, consequentemente, com o fenômeno da mudança do clima. Quem explica é Josileia Acordi Zanatta, pesquisadora da Embrapa Florestas na área de Mudança do Clima.
Entre as práticas que são estimuladas no Paraná para combater o desmatamento, segundo a pesquisadora, está a produção sustentável baseada em boas práticas, como o cultivo em sistema plantio direto; uso de bioinsumos para produzir mais com menor quantidade de insumos de origem fóssil; plantio de florestas comerciais de rápido crescimento para geração de madeira, fibras e energia; e recuperação de áreas produtivas que estão com capacidade de produção reduzida ou comprometida.
Um exemplo disso é a recuperação de áreas de pastagens degradadas. “Estima-se que o Estado tenha aproximadamente 4 milhões de hectares de pastagens, dessas mais de 60% com grau alto de degradação (Map Biomas, 2024). Ao invés de abrir novas áreas para cultivo agrícola, investir esforços para recuperar a capacidade produtiva de ambientes que estão com algum nível de degradação é, sem dúvida, a prática de sustentabilidade mais importante”, destaca.
Na avaliação da pesquisadora Josileia, o incentivo ao cultivo de florestas plantadas como forma de reduzir a pressão sobre a exploração da floresta nativa deve ser estimulado. “Os plantios florestais, pelo rápido crescimento, apresentam como vantagens a redução de emissões por desmatamento; redução de emissão por degradação florestal e exploração de florestas nativas; e aumento da capacidade de armazenamento de carbono, principalmente quando as conversões são feitas de ambientes degradados para plantios florestais e substituição de produtos de origem fóssil ou com pegada de carbono elevado por produtos florestais. Nessa questão, o uso de madeira na construção civil tem recebido muita atenção, não apenas pela versatilidade, mas também por questões de sustentabilidade”, observa.
Projetos florestais, segundo a pesquisadora, têm muita demanda nos mecanismos de crédito de carbono, incluindo aqui o mercado voluntário de carbono e o REDD+ (redução de emissões de GEE por desmatamento e degradação florestal). Os projetos que envolvem a recuperação de vegetação nativa são sempre os mais demandados e têm os maiores valores do crédito, assim como também se busca projetos que ofereçam mais do que a mitigação, mas cobenefícios principalmente relacionados ao tema da adaptação.
“As organizações privadas têm se organizado em busca de oportunidades no mercado de carbono voluntário, engajando-se com campanhas e projetos com metas de mitigação baseados em ciência. No âmbito das iniciativas governamentais, há uma intensa discussão sobre a criação do mercado de carbono regulado, o que abriria outras perspectivas para o setor agrícola e florestal. Atualmente, a proposta de projeto de lei que cria o mercado de carbono regulado está em discussão no Legislativo”, afirma.
Segundo a pesquisadora, o pagamento por créditos de carbono que são obtidos pela recuperação da floresta tem elevada demanda no comércio de emissões/remoções internacionais. Isso porque, além de possibilitar a obtenção de créditos de carbono, a recuperação de florestas nativas também agrega muitos cobenefícios, como qualidade do ar, gestão hídrica, biodiversidade, beleza cênica e regulação de temperatura.
“A questão que ainda segura a ampla utilização desse mecanismo de mercado de carbono é o alto custo para a implantação dos projetos, sendo que o crédito somente é liberado quando o efetivo sequestro do carbono acontecer, ou seja, quando a floresta já está implantada”, pondera.