Maria Fernanda Ruas, sob orientação de Léa Medeiros
O dia 8 de março é uma data internacionalmente destinada à realização de homenagens a mulheres e, também, voltada à reflexão sobre a importância de reafirmar ideais de equidade, reconhecimento e respeito – conquistas garantidas por elas. A data, que foi oficializada em 1975, pela Organização das Nações Unidas (ONU), faz referência à manifestação “Pão e Paz”, organizada por trabalhadoras russas, em 1917, que, no contexto da Primeira Guerra Mundial, clamavam por melhores condições de trabalho, enquanto protestavam contra a fome e a guerra.
Com o passar dos anos e a implementação de leis que garantem os direitos democráticos, tornou-se cada vez mais comum a presença de mulheres em áreas de atuação que, tradicionalmente, eram protagonizadas por homens. Na Ciência do Solo, isso não é diferente. Mulheres envolvidas em diversas áreas deste conhecimento representam bem o gênero, desenvolvendo trabalhos de excelência, e, assim, atestando, mais uma vez, a relevância da participação igualitária de homens e mulheres em todos os campos de atuação.
O Núcleo Estadual do Paraná (NEPAR) da SBCS (NEPAR) é fortemente marcado pela presença de mulheres, que contribuem com a produção e a disseminação de práticas e conhecimentos do solo. A progressiva presença de mulheres vista nas últimas décadas é, também, fruto do trabalho de excelência que elas já desenvolveram e desenvolvem agora, o que sinaliza representatividade, inspirações, a partilha e o apoio – preceitos fundamentais para manutenção de núcleo marcado pela competência, pela diversidade e a busca por igualdade.
As origens do legado
Para que as cientistas do solo pudessem contar com as condições dos dias atuais, outras mulheres, no passado, atuaram nesse campo ainda majoritariamente masculino. Beatriz Monte Serrat, agrônoma e professora aposentada da Universidade Federal do Paraná (UFPR), conta que concluiu a graduação em 1975. Em uma turma constituída por 120 alunos, apenas quatro eram mulheres. A professora relata que, “no final dos anos 1970, em uma reunião de agrônomas, percebi que a minha atividade, na área da educação, era uma das que melhor reconheciam o trabalho das mulheres. Naquela ocasião, muitas relataram diversas situações onde era evidente algum grau de preconceito”.
Ela completa que, apesar das dificuldades partilhadas naquele encontro, “uma das agrônomas da extensão rural relatou a aceitação e respeito que vivenciava numa comunidade onde era intensa a participação das mulheres, sendo comum que, após o trabalho de campo, as conversas seguissem na área da culinária. Essa experiência foi vivida por nós nas atividades do projeto Solo/Planta, onde íamos a campo oferecer o diagnóstico e discutir recomendações para áreas de agricultura familiar”.
Beatriz explica que, na sua carreira, vivenciou bons relacionamentos entre colegas de departamento, de ambos os gêneros, e, na sua área de atuação, Nutrição Mineral de Plantas e Aplicação de Resíduos no Solo. Em média, metade de seus orientandos eram mulheres. Ela pontua que, com o passar dos anos, pode observar muitas transformações na Academia.
“Rapidamente, as turmas de 60 alunos passaram de 10% de mulheres para 50%. Neste período, ocorreram muitas mudanças de hábitos também. Da proibição de fumar em classe, à aceitação de celulares ligados em sala de aula. De um relacionamento mais formal entre professores e alunos, para um tratamento de parcerias entre nós e nossos orientados, principalmente na pós-graduação”, conta a docente.
Ela complementa, ainda, que, apesar de reconhecer a pouca participação de mulheres na posição de liderança em sua área, considera importante o papel que, na maioria das vezes, desempenhou, como membro de equipe, “procurando sempre contribuir diretamente para os bons resultados a serem alcançados”, explica a professora. No que diz respeito aos panoramas futuros, a professora diz que almeja que as mulheres e meninas, “nesta área fascinante, que é a Ciência do Solo, mantenham este espaço conquistado com generosidade e competências”.
Com uma experiência similar à de Beatriz, Claudia Maria Branco de Freitas Maia, agrônoma e pesquisadora aposentada da Embrapa, conta que, no fim dos anos 1970, terminou a graduação em uma turma com 15 mulheres, em meio a 150 estudantes. A cientista lembra que, naquela época, a Agronomia era um universo predominantemente masculino e, entre as disciplinas de Solos, não havia nenhuma professora.
Porém, a agrônoma ressalta: “minha geração ouviu vozes importantes como a de Ana Maria Primavesi e Johanna Döbereiner, que, entre outras, nos despertaram para as questões ambientais. Ao nos formarmos, já sabíamos que o solo não era um mero suporte físico para as plantas, como afirmava nosso principal livro didático. Em plena “Revolução Verde”, vários de nossa geração começaram a trabalhar entendendo que o solo é vivo e, sendo vida,a saúde é o segredo”.
Cláudia diz ainda que, da graduação aos dias atuais, percebe mudanças consideráveis. “Hoje, as mulheres ocupam espaços em pé de igualdade com os homens, nos cursos de formação e na Ciência do Solo. Somos parte fundamental na excelência que o Brasil possui na Agricultura Tropical. Excelência alcançada pelos esforços de cientistas, homens e mulheres, trabalhando em equipes”.
Ela relata não se lembrar de ter sofrido preconceito de gênero nos ambientes em que trabalhou, porém, em cargos de liderança, ela concorda com Beatriz, ao afirmar que há muito a avançar e que a predominância masculina ainda é uma realidade. A pesquisadora complementa: “Não se trata de ambição, se trata de equilíbrio. E é claro que o equilíbrio é desejável. Então, neste sentido, acho importante a maior participação das mulheres nas esferas gerenciais”.
No que diz respeito às perspectivas futuras, Cláudia chama a atenção às urgências e desafios do novo milênio. “Hoje, sabemos que a saúde do solo não pode ser alcançada sem a saúde da Agricultura como um todo, ou além, de um modus vivendi saudável. As mudanças climáticas já batem às nossas portas mais forte do que esperávamos. Nunca antes os termos, já meio antigos, como holístico, visão integrada, multidisciplinar ou interdisciplinar se fizeram tão essenciais”.
E conclui: “esse é o desafio das novas gerações: encontrar as soluções para os problemas que a humanidade criou para si mesma. E, nessa busca, as mulheres, tenho certeza, serão protagonistas. Quando a mãe Terra se encontra doente, o instinto maternal, afinal, pode ser um direcionador ou, no mínimo, inspirador. Mesmo entre os colegas homens. E quando se trata de conhecimento, a figura da mulher é arquetípica e icônica”.
Mulheres em Movimento: A Continuidade da Trajetória
Atualmente, as cientistas do solo já ocupam lugares em diversas áreas de conhecimento e têm se dedicado à construção de percursos marcados pela competência e, também, pelo encontro, pela representatividade, pelo compromisso com a ciência e edificação de espaços mais justos e igualitários, o que contribui na construção sustentação de um amanhã marcado pela diversidade e inclusão.
No NEPAR, as mulheres estão em movimento, reafirmando a potência dos legados deixados pelas pioneiras nos estudos do solo no Paraná e, também, protagonizando espaços de modo excepcional. Como afirma Diva de Souza Andrade, agrônoma e pesquisadora do IAPAR: “entendo que mulheres na minha área de atuação têm dado uma grande contribuição, mostrando que a competência profissional independe de gênero”.
Ela reforça que, atualmente, as mulheres “têm grandes oportunidades para ingressarem com sucesso na ciência do solo, assim como em qualquer outra área da ciência, tanto na pesquisa em instituições públicas, quanto na em empresas privadas ou na área acadêmica”. Para a agrônoma, o desenvolvimento de novas tecnologias proporciona um campo de atuação amplo para as atuais alunas que buscam oportunidades. ”As estudantes mulheres nada têm a temer das suas capacidades”, finaliza a cientista do solo.
Em consonância com Diva, Jully Gabriela Retzlaf de Oliveira, geógrafa e professora da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), explica que, enquanto docente do ensino superior, percebe que as mulheres são significativamente atuantes nos projetos de pesquisa, ensino e extensão. Ela afirma ainda que compreende “a diversidade de gênero é importante na área, pois contribui para ampliar a percepção e os olhares sobre a ciência em um contexto geral”.
No mesmo caminho, Sandra Mara Vieira Fontoura, agrônoma e pesquisadora da Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (FAPA), conta que, hoje em dia, observa com similaridade a presença dos gêneros no seu cotidiano de trabalho. “Quando terminei o curso de Agronomia, somente eu e mais uma colega finalizamos o curso e eu imaginava que não teria muito campo de trabalho. Atualmente, o número de mulheres que trabalham na área é bastante similar ao dos homens”, afirma.
Sandra adiciona que compreende como muito boas as perspectivas do campo para as mulheres, principalmente, se comparado à época em que esteve na graduação. Ela relata: “o agronegócio brasileiro é extraordinário, eu tenho acompanhado o crescimento desse setor e acredito que vá melhorar mais, com a necessidade de aumento da produção de alimentos”.
A pesquisadora reforça a importância da educação e do preparo. “Para que as meninas possam aproveitar tudo isso, não vejo outra forma a não ser muito estudo e muita dedicação. Precisamos nos preparar tecnicamente para o mercado de trabalho, mas também, nos dedicar ao máximo em tudo o que fazemos e não ter medo de enfrentar as dificuldades”, orienta.
O Dia Internacional da Mulher é uma data que, de fato, pede todas as homenagens e agradecimentos, mas esse momento solicita também a reflexão dos papéis desempenhados por elas no cotidiano e o reconhecimento de que as mulheres, com muito trabalho, competência e dedicação, estão, cada dia mais, em todos os lugares.
O Nepar deseja a todas as mulheres um feliz Dia Internacional da Mulher.